Vi o filme e gostei muito. Tem imagens lindas, no entanto, não saí do cinema tão empolgada como contava. Hoje encontrei este artigo na página do jornal público e acho que resume bem a ideia do filme:
“A
Vida de Pi” é um bote salva-vidas num mundo de cinismo
A duplicidade entre o que
vemos e o que não vemos, entre aquilo em que acreditamos e aquilo em que
escolhemos não acreditar torna-se o pilar de “A Vida de Pi"
Texto de Leonor Capela • 28/12/2012
“A Vida de Pi” é um filme a
ver em 3D para absorver ao máximo as imagens e surpresas que o protagonista,
interpretado na maior parte do filme por Suraj Sharma, vive. Ang Lee demorou
cerca de quatro anos a fazer este filme e as tecnologias utilizadas são, sem
dúvida, uma parte crucial na sua crítica. O tigre de Bengala, que acompanha Pi
Patel durante grande parte do filme, é gerado apenas digitalmente e as imagens
de tempestades, ondas e animais selvagens não deixam a desejar. A.O.Scott, do
The New York Times, é claro na sua crítica: "[Há imagens] que são tão
bonitas, tão surpreendentes e tão perfeitas que hesito em descrevê-las”.
A vertente técnica de “A
Vida de Pi” é, então, amplamente referida e elogiada. Já o conteúdo e os
temas abordados, recebem em consenso notas negativas.
O mesmo crítico,
A.O.Scott, refere que “o filme convida-nos a acreditar em todo o tipo de coisas
maravilhosas, mas também pode levar-nos a duvidar do que os olhos vêem – ou
mesmo a duvidar se, no fim, vimos o que quer que seja”. Uma dupla crítica à
falta de conteúdo do filme e ao tom religioso que se impõe, corajosamente, do
início ao fim.
“A Vida de Pi” aborda a
religião de uma forma intrépida e frontal, numa altura em que este tema é,
muitas vezes, preterido por cinismo, por receio de ser mal-interpretado, por
cedência a uma sociedade ateia. A história da vida do jovem Pi Patel é uma
versão moderna da história de Job. É um conto de coragem, persistência,
auto-domínio, desespero e entrega total àquilo em que se acredita. Pi acredita
em Deus nas suas mais diversas formas, como deixa claro já em pequeno quando
agradece a uma divindade Hindu por lhe apresentar Cristo. Ao longo da história,
o protagonista não pede desculpa pela fé que sente. Não cede ao racionalismo do
pai (interpretado por Adil Hussain), nem tem medo do que os espectadores
poderão pensar ou sentir. A fé e a entrega a Deus que existe nesta história
simplesmente existe. Sem se esconder ou preocupar com o que os outros poderão
sentir.
A duplicidade entre o que
vemos e o que não vemos, entre aquilo em que acreditamos e aquilo em que
escolhemos não acreditar torna-se o pilar de “A Vida de Pi num entrelaçar
curioso e pertinente com a criação digital de um tigre que vemos mas não está
lá. A escolha de fazer um filme cujo tema central é o misticismo e a fé pode
parecer inacreditável para aqueles que não acreditam (com o perdão do
pleonasmo), nascendo então a sensação de que o filme não é sobre nada ou que,
no final, não vimos nada que realmente existisse.
Porém, “A Vida de Pi”
guarda as suas maiores lições para o final, quando o inesperado revés da
história é revelado. A duplicidade referida é exponenciada, num toque que nos
faz sentir que este filme é apenas a ponta do véu e que procura deixar-nos a
pensar.
Nesta epopeia que faz
lembrar Robinson Crusoe, Tom Hanks em “O Náufrago” e, também, em “Forrest
Gump”, Suraj Sharma interpreta com rigor e alma o desespero, a loucura e a
entrega incondicional de um jovem que verdadeiramente acredita. O realizador
Ang Lee domina a arte de nos maravilhar com imagens do alto mar e a história
que está por trás desta equipa não deixa para trás um único “must” do que a
introspecção deve ser.